Vanessa Passos
Mais uma vez, trago um tema polêmico. Eu respeito e muito o trabalho dos grandes suplementos literários, como Rascunho, Suplemento Pernambuco, Revista Quatro Cinco Um. Ou, ainda, matérias na Folha de São Paulo, no Estadão, n’O Globo. Inclusive, sou muito grata porque A filha primitiva teve espaço em todos eles.
Mas certo dia fiquei me perguntando: quem lê estes suplementos? Quem tem acesso a eles? Percebi que estamos falando de um grupo seleto que lê literatura e a discute, acompanha resenhas, paga assinatura de jornal online e impresso e clubes de assinaturas.
E pensei que também existem leitores além disso. Além dessa bolha. Leitores que não têm acesso a nada disso. Na verdade, a reflexão mesmo veio a partir de um leitor que me disse que conheceu meu livro porque a faxineira do prédio dele indicou. Eu descobri porque, sempre que um leitor me diz que gostou do meu romance, pergunto como ele soube do livro. Gosto de saber esses caminhos que a história faz.
E ele disse que, depois de ler, a faxineira indicou para todo os moradores do prédio. Fiquei ainda mais curiosa por saber como o livro tinha chegado até ela. Ele me contou que ela conseguiu num sebo perto do trabalho. O dono tinha ido para a feira da USP. Trouxe A filha primitiva, leu e deu de presente para ela.
Ela soube, então, de um morador que era aposentado e que lia livros escritos por mulheres. Daí, durante uma conversa, falou emocionada que tinha acabado de ler um livro surpreendente. E que tinha se sentido representada nele. Para minha alegria, era meu livro A filha primitiva. Ela disse para ele: “sou mãe solo, preta, pobre, mas tiro leitura”.
Fiquei pensando: e se ela nunca tivesse tido a oportunidade de ter acesso ao livro? E quantas pessoas não têm? Aquilo continuou me inquietando. Nisso, fui fazer matrícula na escola da minha filha, que vai estudar em escola pública. Falei que era escritora, apresentei meu livro e disse que poderia ir conversar com os alunos.
Decidi que neste ano quero fazer projetos em bibliotecas, escolas, projetos sociais que envolvam o livro e a leitura. Precisamos de projetos, de políticas públicas, de livros acessíveis, de arte em todo lugar pra todo tipo de gente. Eu nem sempre pude comprar um livro e eu me lembro disso. Este texto não é uma resposta. É uma pergunta – pra mim, pra gente, pro Estado – como podemos furar a bolha?